O Brasil tem sido tomado por uma onda de pessoas sem base tomando a frente de movimentos mais sérios que suas mentes podem compreender, e por isso, vejo-me batendo de frente com indivíduos e grupos que dizem-se doutrinadas em movimentos que apóio e questionando minhas visões políticas (e até antropológicas, caso isso exista) para descobrir que não acredito em nada que já exista. Vejo-me constantemente em desespero, procurando um lugar no planeta que não esteja completamente louco e possa oferecer-me uma boa vida, sem jamais encontrar passagens disponíveis. Eu estou completamente assustado.
Há pouco mais de vinte e quatro horas, vesti um terno em homenagem a Barney Stinson e me dirigi à casa de minha companheira de gangue para ver os últimos episódios de How I Met Your Mother. A escolha de roupa extremamente simbolista me deixou suado e sem palavras ao ver o que havia acontecido (não se preocupe, não contarei spoilers). A série foi, de acordo com o meu ponto de vista, completamente desconstruída em dois episódios. Nove temporadas de vinte e tantos capítulos cada foram menos corridas que os últimos quarenta minutos em que eu absorvia o material inédito de personagens que faziam parte de mim. Me vi argumentando, em conversas quase filosóficas sobre a vida real, que não foi o fato acontecido, mas a forma com que ele havia se dado. De última hora, sem avisos prévios e sem coerência com seu estilo de enredo. Foi como desistir de entrar em casa após um longo dia para demolí-la ao invés disso.
Mas o fato que considero relevante para a ideia que pretendo expor é: eu vestia um terno. Qualquer pessoa que me conheça minimamente sabe que simbolismos me encantam. Opto por ações poéticas e teatrais demais para reger minha vida, mas isso é meu. Eu escolho ser desnecessariamente pomposo (já que creio que, algo que na prática é totalmente irrelevante, mas carrega um grande significado é, obrigatoriamente, lotado de pomposidade). Todo e qualquer simbolismo não feito por vontade própria torna-se um costume, no mínimo, questionável.
Tomemos como exemplo a clássica história de Adão e Eva, onde a mulher tornou-se socialmente vista como a causadora dos males do mundo, e todos parecem ignorar o fato de que Adão comeu o fruto por interesse seu. Digamos que, de alguma forma, Adão tivesse negado a mordida e Eva o tivesse amarrado e forçado-lhe a comer (quase como a ditadura apoiada pelo professor Eduardo Gualazzi ), o que mudaria? Digo, Adão teria o conhecimento da mesma forma, a mulher continuaria sendo a antagonista e o homem sempre seria a vítima que não consegue se controlar e culpa a mulher pelo abuso que faz. O poder da ereção seria o mesmo.
Mas Adão foi livre. Somos livres para fazer o que consideramos cabível, e sei que posso soltar um balão acreditando que ele levará todas as minhas mágoas para o céu. Mas nada justifica querer empurrar um fruto na boca de outra pessoa. Sou pomposo porque quero, e se quero, isso cabe apenas a mim, correto?
Então vi-me refletindo pela quarta vez sobre o caso do professor Eduardo, e coloquei-me diante de um grande impasse: a disseminação de um pensamento repressivo sendo calado com uma repressão. Gostei do que os alunos fizeram, gostei pra caramba, mas até que ponto é correto invadir um território para corrigir seus traços? Afinal, numa sala de aula universitária, posso me impor, ou recusar-me a escutar algo que não me agrada retirando-me da sala sem que isso me traga grandes prejuízos. Mas ao mesmo tempo, creio que qualquer um que ocupe uma posição de influência deve estar sujeito a intervenções e saber lidar com isso.
É questão de saber lidar com o que te opõe, e é essa a maior falha que observo nessa nova onda de brasileiros revoltados com a situação atual. Gritar é efetivo, mas saiba argumentar. Encarar é preciso, mas deixe que o outro fale. Se algo te cala, das duas umas: você deve estudar mais, ou deve rever seu ponto de vista.
Tome Javert como um exemplo, e refilta sobre seus Jeans Valjean. Se necessário, pule.
Vi-me no futuro, dando aula, com tatuagens no corpo e ideologias um pouco fora do comum. Pensei até que ponto eu saberia defender o que acredito, e até que ponto o que acredito é, de fato, ideia minha. E entristeço-me ao saber que uma boa defesa não me livrará de convenções sociais que considero retrógradas.
Então lembrei-me, ao ver uma docente defendendo com unhas e dentes os rituais formais de uma graduação e esquecendo-se que aquelas seriam suas últimas palavras para muitos de seus admiradores. Muitos ali jamais a veriam novamente.
Imagino se como seria se Picasso tivesse trocado suas supostas últimas palavras ("Bebam a mim, bebam à minha saúde, vocês sabem que já não posso beber mais.") por um discurso sobre como sua vida era difícil, as pessoas ingratas e vagas demais para compreender sua arte. Ninguém lembraria. É necessário simbolismo e jogo de cintura para provar que o simbolismo é, de fato, necessário e bem vindo. A reclamação que demora a sair machuca a quem a profere e a quem a ouve. Algumas lacunas criadas pela ausência de palavras, infelizmente, não podem ser preenchidas sem criar crateras. Saiba desabafar e saiba que nem todos precisam ouvir críticas direcionadas.
"Fuck beauty contests. Life is one fucking beauty contest after another."
(Dwayne - Little Miss Sunshine)
Às vezes a necessidade de exibição e exposição torna-se maior do que a situação em que ela precisa ser exposta, e isso é completamente incoerente. É inadmissível que o concurso de beleza se torne maior que a beleza em si. Que sejamos pomposos, caso queiramos. Que ofereçamos frutos, aceitando negações. E que falemos o que queremos, porém no tempo certo. Nunca se torne maior que a ideia que você prega.Um dia estarei no microfone, e tenho medo do terno e da gravata. Tenho medo da seleção de palavras soberbas e pedantes que o futuro me obrigará a fazer, e tenho medo do futuro.
O futuro me assusta, não pelo medo das mudanças, mas pelas certezas das coisas que sei que não mudarão.
Após sair daquele auditório, em forma de protesto, peguei um caminho diferente para casa.