terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Frozen - Depressão e Feminismo

Foi pela mania de sair vendo coisa demais em filmes que talvez nem queiram passar isso que resolvi começar a escrever isso em algum lugar. Frozen foi, por coincidência, o último filme que vi e acho que vale a pena registrar alguns pontos.
Note que eu escrevi "registrar".
Sei que sou uma pessoa de opiniões fortes, polêmicas, que discordarão de 90% do que eu disser, mas a finalidade deste blog é registrar o que penso, e apesar de eu estar disposto a discutir, dificilmente mudarei de opinião.
Indo agora ao que importa, o texto abaixo terá spoilers por ser uma análise do filme como um todo, portanto, se não gosta, não leia.




Frozen me ganhou os olhos desde a primeira cena, não sei se pelo 3D impecável ou pelo clima Les Mis que os serrotes me trouxeram. Após isso, meus olhos encheram d'água ao ver o relacionamento de união das duas irmãs, que brincavam despreocupadamente. Era notável que a única coisa que Elsa amava mais que o gelo era sua irmã Anna. Ela tinha um dom, e usava isso para criar bons momentos, mas seu talento terminou causando um acidente, que quase foi fatal a Anna.
Como aspirante a escritor, sei o poder que um dom, por mais belo que seja, tem de machucar, e sei que quanto mais se ama alguém, maior esse potencial. Elsa não ergueria montanhas tão altas por alguém que não fosse significante para ela.
Seus pais levaram ambas aos trolls, que apagaram a magia da memória de Anna, e disseram que aquilo se fortaleceria em Elsa com o tempo. Elsa era diferente.


Trazendo para o mundo real, temos a criança estranha, que por mais fantástica que possa parecer a alguns olhos, será sempre a menina gelada no canto da sala que faz coisas que os outros não fazem. Os pais das meninas fizeram o que a maioria dos pais deste tipo de criança faz: esconderam-na por saber que não conseguiriam mudá-la. Com a retração, não havia a possibilidade do controle, qualquer talento bruto precisa de treinamento antes de atingir a lapidação.
Pela tentativa de proteger, cresceram duas meninas infelizes. Infelizes, porém seguras.


 
As meninas atingem a idade adulta, e Elsa é obrigada a assumir o trono após o falecimento de seus pais, e após o casal - inicialmente adorável - Hans e Anna anunciar seu noivado, o poder de congelamento se descontrola e todos descobrem e temem. Elsa foge e tenta se isolar, e aí vem uma das partes que mais me chamou atenção: durante um esplêndido momento musical, ela liberta-se de suas roupas de rainha, de sua coroa, de seus cabelos presos (que haviam dominado seu visual) e cria seu próprio castelo: duro, gélido, e
 escorregadio.




O isolamento é comum diante de pessoas que se sentem diferentes da maioria (de forma boa ou ruim), e assim como no caso de Elsa, aqueles que se retraem ao frio por não se incomodarem com ele acabam congelando uma cidade inteira. Isso é uma boa metáfora para a depressão. Um castelo gelado e confortável para quem mora nele, mas que destrói lentamente todos que vivem ao seu redor. Elsa se incomodava e atacava quem tentava salvá-la ou invadir seu recanto. Elsa sentia que não pertencia à cidade que era sua, e criou um mundo só seu. A depressão lhe era confortável.
Pessoas dotadas de talentos especiais, especialmente se ligados às artes - escrita, desenho, pintura, oratória, dança e tudo o mais - precisam de certo "treinamento", e por terem uma forma diferente de ver o mundo e sentir o ambiente, têm maiores probabilidades de se renderem à amargura. Lembro-me que uma senhora disse uma vez a uma amiga a seguinte frase: "artista nasce pra sofrer por amor".


E agora, gostaria de fazer um parágrafo para falar sobre o carismático boneco Olaf. Ele foi criado sem que Elsa percebesse. Era retrato da sua infância, memória que ela não sabia ter. Ele representava pequena parte da alegria que ela teve um dia, mas que de tão distante parecia não ser real (fenômeno comum em quem está em depressão). A verdade é que as coisas nunca se apagam, e têm impacto em nossas vidas mesmo quando não lembramos mais delas. Olaf é uma cicatriz.
Anna descobre em Kristoff um excelente companheiro, e vê a personificação Olaf, que fazia parte de sua infância distorcida pelo acidente. E em sua tentativa de salvar a irmã, acaba tendo seu coração congelado, podendo apenas ser curada por um ATO de amor verdadeiro. Em tempos remotos a Disney teria substituido "ato" por "beijo".
Foi a partir daí que a cena que me trouxe toda a reflexão veio.
Os cabelos de Anna começam a se esbranquiçar, e ela aparece de capa roxa e roupas verdes. Anna torna-se idêndica à Elsa do começo do filme após ter seu coração congelado, o que fez com que eu me questionasse: Elsa também teve, mesmo que não da mesma forma, seu coração congelado. Em que ponto um coração se congela? Em que ponto alguém se torna um depressivo? Como saber que estamos afundando? Nem sempre é necessario um super poder penetrando seu peito para que toda sua alegria seja sugada. É gradativo.
E no fim, após uma desilusão amorosa, Anna descobre que Kristoff a amava, e ele corre para dar-lhe o beijo que a salvaria, até que a Disney mostra mais uma vez uma personagem feminina forte e independente de uma figura masculina quando ela corre para salvar sua irmã. Anna vira gelo e Elsa chora enquanto a abraça.
O amor que Elsa reprimiu por tanto tempo a liberta, mostrando que o amor não vem apenas do sexo oposto e de forma romântica. E é aí que Elsa percebe que o amor é a única solução. Assim como o amor de Anna a descongelou, apenas o amor próprio a tiraria do frio que ela fingia não incomodar.
Quando ela se amou, foi feliz.
Como disse Olaf, vale a pena derreter por algumas pessoas.

2 comentários:

  1. Lucas, vi o link para esse post no filmow e resolvi dar uma olhada. Muito interessante a analogia que você faz entre depressão e gelo. Somente alguém que conhece a doença por ter vivido esse quadro entenderá o que é fingir que o frio não incomoda e afastar a todos como se fosse a salvação viver solitariamente. Tocou-me bastante seu texto. Obrigada!

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  2. Lucas, muito bom o texto, parabéns! Saí do cinema com esta ideia de que a história e a habilidade da Elsa se referiam, de alguma maneira, à depressão. Comentei com alguns amigos e todos acharam muita imaginação minha, procurei na rede textos sobre isso e acabei caindo aqui. Acho que é preciso mesmo uma certa sensibilidade de quem já vivenciou em si ou no próximo a doença para perceber a sutil analogia. Abraço.

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