Inicialmente, a ideia passada pelo filme pareceu tão próxima e possível que me assustou. Comecei a pensar em como escreveria sobre o amor pré-fabricado, a dependência tecnológica e a extinção da espécie humana. Me deparei com um homem de quase meia idade, com problemas de relacionamento, apaixonando-se por um sistema operacional que também estava apaixonado por ele. Demorei para aceitar Samantha - o nome escolhido pelo SO - como alguém que tinha reais sentimentos, acreditei - e não sei se desacredito - que a tecnologia humana nunca seria capaz de reproduzir emoções. Samantha era programada, e por mais que fosse vendida como um cérebro em constante evolução, era uma máquina. Seu amor era fabricado.
Então vi que, de certa forma, todo amor é. Levando em conta que nosso cérebro está em constante atividade, e que usamos apenas uma ínfima parte dele, não sabemos o que fato acontece dentro de nossa mente e nosso subconsciente. Julguei os sentimentos de Samantha como incompreensíveis, sem parar para pensar que os meus próprios também eram.
Então o filme mudou de rumo, mudando o rumo de minha análise. Foi um daqueles filmes que vemos na pior hora certa - ou melhor hora errada, não sei dizer. Há exatas vinte e quatro horas cheguei ao fim de um relacionamento. Um relacionamento aberto, com grande cumplicidade, amizade acima de todas as coisas, carinho inexplicável e sinceridade incondicional. Um romance que eu nunca soube explicar quando tinha que falar sobre. G. (minha Samantha) me descrevia como: "mais que um amigo, menos que um amante, melhor que um namorado". Logo, o relacionamento de Samantha e Theo deixou de ser absurdo, cheio de estranheza e possível razão do apocalipse para tornar-se um amor puro, diferente, e que não caberia a mim julgar, assim como não cabia a ninguém mais tentar compreender o que eu tinha com G.
Ao perceber que não cabia a mim entender, eu entendi. E ao entender, cheguei à conclusão: o amor transcende corpos, e não importa quem fabricou quem.
Eles nunca se tocaram, Theo nunca viu o rosto daquela que o havia feito livrar-se de um passado de amarras (assim como G. fez comigo), e eles nunca precisaram tirar uma foto ou pegar nas mãos para cantarem juntos. "There's no thing I'd keep from you/ It's a dark and shiny place/ But with you, my dear/ I'm safe and we're a million miles away", a música deles dizia. Eles se cuidavam e se davam segurança. Comecei a me ver no meio dos dois, comecei a me sentir Theo, comecei a associar G. e Samantha. Amar-se sem toque estava ok no meu caso e no deles.
Samantha era capaz de ler um livro em menos de um segundo, mas teve que parar para pensar no que sentia. Theo nunca deixou de estar confuso. E espero que nesse ponto, eu não precise mais citar meu nome ou de G. para concluir esta análise. Neste momento, nós e os personagens nos tornaremos um só.
Um lindo romance, que faz até os mais céticos sorrirem ao ver um rapaz dançando sozinho no meio da rua passou diante de meus olhos. Mas assim como no primeiro relacionamento de Theodore, os dois cresceram juntos. O amor era capaz de transcender corpos, mas jamais seria capaz de transcender uma mente cheia de perguntas. Existem perguntas que não morrem com respostas.
Samantha falou sobre outras pessoas envolvidas, e por mais que machucasse, não importava para Theo. Alguns corações são grandes demais para uma só pessoa. Samantha era livre de uma forma que ele jamais compreenderia, e aceitá-la seria a única forma de mantê-la, por mais que doesse - e doía. Creio que em algumas situações, a existência de terceiros apenas fortalece o que se tem entre os primeiros. Os outros eram insignificantes.
O fim de um romance como o deles só poderia ocorrer devido a eles mesmos, e houve um momento em que eles se tornaram grandes demais um para o outro. Onde quer que estivessem, sempre se amariam, se cuidariam, e se mandariam sorrisos.
Para Theodore, Samantha era real.
Para mim, também.