quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Se joga pintosa, põe o que quiser!

Se você tem conhecimento dessa música, lembra-se da sua reação ao ouví-la. Se não, aperte o play e guarde seus pensamentos antes de ler.




Quem nunca ouviu na vida um "se joga pintosa" por aí, ou até falou, sabendo ou não do que se tratava? Era um daqueles virais que vinham independente de sexualidade. Cresci ouvindo essa frase servir de ataque a homossexuais de todos os tamanhos, idades e estilos. Até que ontem, recebi este link de um amigo incrédulo: não era possível desconhecer o hit de Léo Áquila.
Léo Aquila - nome desconhecido por mim até então, provavelmente devido à distância que cultivo entre mim e a TV - me provocou inicialmente a impressão de que eu daria risadas. É a impressão que temos ao receber links de Drag Queens falando gírias LGBT em vídeos do YouTube. Me surpreendi ao ver que um dos maiores memes homoafetivos de todos os tempos vinha de um vídeo de autoaceitação com uma imagem de apoio disfarçada por trás de todo aquele glíter.
Vergonha.
Vergonha foi o que senti ao notar o pensamento mecânico que se formava em minha mente ao ver a imagem de alguém que possui um gênero diferente do sexo. Naquele momento compreendi a famosa frase: usada também, muitas vezes, de forma intolerante:

(ilustração: Gabriel O! )

No segundo em que eu soube do que realmente tudo aquilo se tratava, pus rosa.

Como homossexual assumido desde os 17 anos, sei o que é crescer sendo a criança diferente, sei o que é ter dedos apontados para você em todos os lugares. Sei o que é lutar pelo direito de amar. Não me fazendo de coitadinho. Orgulho-me do que sou, do que me tornei, do que passei e do que conquistei por ser assim. Ter uma sexualidade considerada disfuncional diante dos padrões heteronormativos da sociedade não dói mais, mas deixou cicatrizes emocionais e físicas.
Por saber o que é ser a "pintosa", sei quão difícil é "se jogar". E sei quanto tempo o rosa (obviamente tido como metáfora) demorou para ser cogitado.

Mas apesar de tudo, nunca soube o que é se sentir preso num corpo errado.

Já ouvi muitos ditos defensores da igualdade de direitos dizerem que é preciso ser muito homem para ter a coragem de viver num outro sexo, mas creio que é preciso ser muito mulher (obviamente, falo de transgêneros nascidos no sexo masculino). Ser mulher, com todas as letras. Masculinidade não é sinônimo de coragem. Então, lembrando-me do que passei usando jeans e camiseta, me vi sufocado ao imaginar a dor da prisão interna e da acusação externa. Então dei play na música mais uma vez.
Não, não era um hit de zombaria. Não era apenas um hino gay. Não era um vídeo que vinha para mandar todos mudarem de sexo, se afeminarem e usarem uma única cor. A mensagem era simples: se joga.
"Cansei dessa história de ser forte pra tudo aguentar,
Se fingir de feliz é bancar a trucosa,
Eu quero é mostrar que sou poderosa!"

A questão transcende sexo, gênero e sexualidade. O vídeo inteiro é uma afronta aos padrões impostos pelo mundo, e num mundo onde lâmpadas são quebradas nas cabeças dos amores de mãos dadas, estar disposto a não apenas assumir-se, mas não ter vergonha de mostrar-se rosa no meio do azul.
Ou roxo, ou verde, ou cinza, ou multicolorido.
A questão é parar de fingir. Achar-se bonito, dançar do seu jeito, e se jogar na vida, sem viver a secreta vida das calcinhas por baixo do terno e da gravata.
De rosa, de azul, de preto, ou peladx. Se joga!

 
 “Armários são feitos para guardar coisas e não pessoas”
 Léo Áquila